Eu não ando na moda e sou tendência?

Sim! Mas, se você andar na moda, também pode ser tendência. E pode, inclusive, ser muito chique e estiloso, sem estar em tendência nenhuma.

Deu um nó?

Bom, ter estilo independe do que os estilistas, a indústria têxtil e as lojas apontam como legal vestir. Mas, ironias da vida, hoje, usar o que todo mundo usa, o que ninguém impôs, o que é popular, virou moda. E  os estilistas, a indústria têxtil e as lojas olharam para as pessoas nas ruas para fazer o que está nas vitrines agora. É a tal da tendência Normcore. O normal no centro. É um movimento muito mais amplo, de cunho social, que engloba a moda.

Esse termo surgiu de um estudo de agências que ficam de olho no comportamento das pessoas para identificar novidades relevantes, que em breve todos vamos adotar. Eu fiz um curso de cool hunting que ensina a pesquisar e abordar temas dessa forma. E hoje trabalho com consultoria de estilo pessoal, que é algo parecido, mas aplicado a um universo micro, o da pessoa, do cliente. Gosto de pensar que essas duas visões tem um conjunto de intersecção, compartilham um resultado (alô, aula de matemática, falei certo?).

Explico isso e também um pouco mais para o Max Fivelinha – que é um querido e já não usa nada no cabelo e anda bem Normcore (BRINKS). Dá o play e prestigia minha primeira entrevista do outro lado do balcão:

Se essa história de  ter um estilo próprio, de como fazer para expressar sua personalidade na aparência, como usar roupas de forma esperta e consciente te interessa, me manda um email 😉 contato@ninguemperguntou.com ou camilar80@gmail.com

Esse tal de Normcore

Em outubro de 2013, a Box 1824 e a K-Hole divulgaram um estudo definindo uma nova tendência de comportamento no consumo, o Normcore. Tais empresas ficam de olho em novidades socioculturais que despontam, sinalizando caminhos que em breve serão seguidos por todo mundo. O Normcore, no caso, é  “a atitude de transcender a diferenciação industrial em vez de contrapô-la”. Ou seja, abraçar o que é popular, sem se submeter a ele, sem se preocupar em ser mais um, mas sem perder a identidade. É não ter medo de estar com todo mundo, de ser normal.

Outra definição muito vista por aí é “a moda de Seinfeld”, que até virou meme, em referência ao estilo básico, normal, dos personagens da série sobre o nada. A moda sobre o nada?

Pouco mais de um ano depois, passada a edição de inverno 2015 do São Paulo Fashion Week, vimos pipocar matérias falando sobre isso, mais de um estilista declarando que o Normcore foi a referência de sua coleção e fashionistas descrevendo o look do dia como sendo da tendência. Ou seja, o que antes era um papo teórico, agora atingiu o que consumimos.

Por isso, nesse post, pretendo explicar o que é esse tal de Normcore e permear com a minha opinião. O que mais tenho visto na imprensa nacional são guias de como se vestir na tendência. Assim como o pessoal da Box, acho que é mais do que um modismo da indústria, é algo comportamental, portanto mais abrangente. E mais forte do que parece, por isso, relevante.

Como o Normcore se formou

Vejo que alguns pontos culturais e de comportamento se encontraram, unindo pessoas que antes estavam em diferentes esferas da sociedade, em um mesmo movimento, com atitudes e gostos em comum.

Anos 90, the come back:
O primeiro ponto foi o retorno dos anos 90. A indústria se alimenta do passado para nos fazer consumir. Fato. Não dá para ser tão original assim temporada após temporada. Então, quando distância suficiente é tomada, para bater aquela nostalgia, quando já há uma geração que não viveu aquela década consumindo, ela volta. Pronto. E aquela foi a década dos garotos suburbanos, dos amigos que dividiam apartamento, dos roqueiros de garagem, do estilo das ruas, do moletom, da flanela e do tênis. A única coisa que parecia separar os ídolos de seus fãs era a fama.

Outra vertente dos anos 90, a estética minimalista encontra campo fértil agora para crescer. Após um período em que cada um procurava sua individualidade e assim se expressava de forma a se destacar na multidão, as pessoas parecem cansadas de excessos. O minimalismo, mais neutro e clean, é perfeito para construir uma imagem mais normal. Chega de logos, estampas, ostentação ou expressão rebelde no look. Porém, a limpeza do visual não é uma atitude yuppie de aceitação do mainstream. O Normcore é uma atitude ambivalente, aceita o popular, mas não se submete a ele, é mais um posicionamento de deixar de lado a importância de se distinguir e ser apenas mais autêntico.
gisele Jil Sander 1999
*Gisele Bündchen na passarela de Jil Sander – verão/primavera 1999

Alguns exemplos práticos foram vistos na indústria da moda recentemente. Conhecidas pelo estilo coxinha a Abercrombie & Fitch e a Hollister Co., que são do mesmo grupo, anunciaram que irão estrategicamente reduzir os logos de suas roupas, após queda nas vendas no segundo quadrimestre deste ano. Na outra ponta, a hipster Urban Outfitters também foi obrigada a rever seus produtos por conta do mesmo motivo. A marca passa pelo segundo trimestre de perdas e vem sofrendo um revés de imagem após abusar de seu caráter ousado. Camisetas com frases do tipo “coma menos”, e um moletom com o emblema da Universidade de Kent e respingos de sangue, fazendo alusão a um massacre ocorrido na instituição em 1970, vêm causando aversão a seus consumidores.

Não temos mais idade, nem gênero:
A estética minimalista também se casa com outras duas ~tendências~ galopantes. Ou melhor, como eu prefiro ver, duas barreiras que caíram: gênero e idade. Cada vez mais, o que fazemos, consumimos e usamos não é mais determinado por padrões de gênero ou idade. Eu posso usar a mesma roupa do meu irmão ou da minha avó e vice-versa e reversa. Temos visto diversas manifestações nesse sentido, inclusive publicitárias. Sobre o tema gênero, até EU já fiz post hahahaha. Já a idade, quem se importa com isso? A geração Y ouve música do Pharrell Willians, 41 anos, os baby boomers leem a Tavi Gevinson, 18 anos. E todos nós idolatramos a Jessica Lange.
jessica lange
*Jessica Lange em campanha publicitária da linha de maquiagens de Marc Jacobs

Uniqlo_Spring_2015
*Imagem do lookbook de primavera/2015 da marca japonesa Uniqlo: meninas e meninos podem trocar os looks

The unfashion:

Assim como os ultrapassados tutoriais de etiqueta, a seção de “certo e errado” de uma revista de moda não tem mais muita força. Nos últimos anos, a moda tem estado menos engessada por mandamentos das passarelas, enquanto a voz das ruas tem ganhado indiscutível relevância. Dessa forma, o estilo próprio e original nunca foi tão verdadeiro. Mas houve tanta ânsia por buscar uma diferenciação, que surgiram estéticas superpoluídas e vazias de sentido. A facilidade de troca e acesso à informações também alimentou esse processo. Hoje, qualquer um copia qualquer um, inclusive as grandes marcas. Assim, o visual alternativo já vem empacotado e pronto para ser comprado. Não tem mais nada de alternativo nisso. E pode até levar a sérios casos de problemas de interpretação – vide o que aconteceu com a Urban Outfitters. Isso fez com que surgisse uma vontade de ir contra a corrente da diferenciação. Ninguém mais quer agir ou parecer muito “malucão”. Se montar todo parece um grito desesperado por atenção.

O minimalismo, portanto, se torna a forma estética confortável, ou viável, que se encaixa em todos esses aspectos. E o popular deixa de ter caráter pejorativo, de medíocre, ordinário, insosso, para ser apenas aquilo que todos gostam, independente de idade, sexo, nacionalidade.

Conclusão:
Normcore é a atitude de transcender a diferenciação industrial em vez de contrapô-la. Não é se misturar e se dissolver. É ter empatia e conectividade. Criamos vínculos quando temos gostos em comum. Normais. Eu estou de acordo com a definição da Box e da K-Hole: “Normcore se distancia de uma noção de cool baseada na diferença e adota um modelo de pós-autenticidade que opta pela igualdade. Porém, ao invés de se apropriar de uma versão estereotipada do mainstream, faz bom uso de cada situação presente. Para ser verdadeiramente Normcore, é preciso entender que o normal na verdade não existe. (…) A individualidade já foi uma promessa de liberdade pessoal — uma forma de viver a vida nos seus próprios termos. Entretanto, esses termos foram ficando tão específicos que acabamos nos isolando. A ideia de Normcore busca uma liberdade proveniente da não-exclusividade. É a libertação em não ser tão especial e o entendimento de que só a adaptabilidade leva ao pertencimento”.

Normcore na moda
Um dos trabalhos mais emblemáticos que vi foi um editorial da Revista Hot and Cool N. 5 (primavera 2013) feito com fotos do Google Street View. Um tapa na cara dos blogs de street style. Isso sim é a coisa real. Gente com roupas legais, de verdade, na rua.

Se você gosta de moda e tem prazer em montar um look, isso significa só uma coisa: tudo bem usar o que você quiser e também, pelo amor de Deus, algo que seja “sem marca” ou não pareça tirado do armário da Anna Dello Russo. Ainda assim, sair com uma calça jeans e um moletom pode ser gostoso, mas demonstrar estilo é usar peças com bom caimento, é deixar com a sua cara, dobrar uma barrinha, adicionar um colar, colocar um sapato diferente, deixar mais bonito. Por que o que é bonito e interessante vai continuar sendo bonito e interessante até o fim dos tempos, não importa a tendência. Sobretudo, é levar em conta a velha máxima de Coco Chanel “A moda sai de moda, o estilo não”. A GAP fez uma ótima campanha aproveitando o Normcore, afinal, os neutros e os básicos deixam sua personalidade brilhar. E esse filme diz muito:

http://www.youtube.com/watch?v=6FJUSftHfKY

E para os que gostam de ver umas peças de roupas bem combinadas, seguem os três looks que fizeram mais sucesso no meu painel Normcore do Pinterest.

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Fotos: Marc Jacobs, intothegloss.com, Harpers Bazaar/Diego Zuko, Uniqlo