Grey Gardens, uma lição de estilo

Grey Gardens (2009) é o filme que reconta a história do documentário de mesmo nome, sobre a tia e a prima de Jacqueline Onassis (as duas chamadas Edith Bouvier Beale ou “Big Edie e Little Edie”). Feito para a HBO, é um pouco mais palatável ao gosto atual da audiência do que o documentário original, e com um ponto, ou melhor, dois, incríveis: Jessica Lange e Drew Barrymore nos papéis principais. O filme está disponível no catálogo do Now, da Net, na oferta da HBO, entre aqueles que não temos que pagar. Ótima oportunidade.

Para mim, além de uma história maravilhosa, é um belo exemplo do que se pode chamar de estilo pessoal. Principalmente a figura da Little Edie. Isso porque, os dicionários e afins – você pode verificar aqui e aqui – deixam a desejar e não explicam muito bem o que seria estilo quando se trata de um adjetivo aplicado a pessoas. E com elas vemos o que é sendo.

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Little Edie em duas etapas da vida

Eu, como consultora de estilo pessoal, posso dizer que é o conjunto de escolhas, gostos e prioridades que traduzem a personalidade de alguém. Quando colocado em expressão visual, em roupas, acessórios, cabelo, maquiagem, indumentárias ou na falta delas também, pode ser chamado de estilo. Uma pessoa que se destaca entre as outras, que quando vemos algo e nos lembramos imediatamente dela e soltamos “nossa, esse lenço (gravata, colar etc) é a cara de fulano”, que tem sempre uma coerência ao se apresentar, uma presença marcante – ainda que use roupas discretas, tem um estilo bem definido. Isso não quer dizer que aquele seu amigo que veste a primeira camisa da gaveta não tem estilo nenhum. TODO MUNDO tem estilo. Afinal, todos fazemos escolhas, mesmo que seja vestir qualquer coisa – quem é assim quer mostrar que não liga para moda, que tem um estilo descontraído ou rebelde. Alguns sabem expressá-lo bem, outros nem tanto.

Voltando ao filme, as personagens principais tem um estilo muito próprio e seguem assim até mesmo quando perdem o senso de convívio em sociedade, até mesmo quando estão em um mundo à parte. Um exemplo muito claro de autoconhecimento e expressão. Eu fiquei fascinada.

Bom, a história, já devo ter causado curiosidade, é sobre mãe e filha que vêm de uma alta linhagem nova-iorquina, porém, por conta dos revezes da vida e da falta de tino para sobreviver financeiramente, acabam perdendo tudo o que têm. Assim, vivem isoladas na casa de praia da família, a Grey Gardens, num mundo onde pensam ter glamour, mas onde só há insalubridade e decadência.

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Mãe e filha em tempos áureos e depois vivendo a duras penas, mas ainda mantendo o estilo

Além de uma aula de estilo, a história nos faz pensar sobre valores e determinação. De alguma forma, essas duas mulheres se mantiveram firmes em suas crenças. O ar kitsch e o evidente viés fashion fez da obra original um cult entre o povo indie e fashionista. Contudo, acho que é muito mais interessante olhar para essa história com a cabeça aberta e despida de preconceitos. O que quero dizer é que não devemos encarar as Edies como duas criaturas excêntricas e divertidas em sua viagem autoalienante. Acredito que elas foram mulheres a frente de seu tempo, em uma sociedade onde não havia espaço para que crescessem. Aferradas em seus valores, sucumbiram e não tiveram meios para sobreviver.

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casa destruída
O antes e depois de Grey Gardens

Se interessar ver também o lado real dessa história, tá aqui o documentário, de 1975, inteirinho no Youtube:
https://www.youtube.com/watch?v=GP2KjNge1FY

Amantes Eternos – Adão e Eva sobrevivem

I’m sick of it — these zombies, what they’ve done to the world, their fear of their own imaginations

Maravilhoso. Vampiros e rock’n’roll, como não gostar? O filme  Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive), de Jim Jarmusch, que está em cartaz, já é um dos meus prediletos do ano. Ou da vida.

Adam, interpretado por Tom Hiddleston, é um vampiro muito velho, não sabemos exatamente sua idade, mas ele pode ter sido Shakespeare e apenas mudou de nome. Ele pode ter dado um arranjo a Schubert, que levou a fama em seu lugar. Hoje, é um rock star que vive recluso, mas ainda compõe. Deprimido com a falta de imaginação do mundo, povoado por humanos – ou zumbis, como ele nos chama – que somente destroem e sugam os recursos aqui existentes, busca conforto em sua mulher, Eve, personagem da musa weirdo Tilda Swinton. Os dois vivem separados, mas Eve, que está em Tanger, decide ir até Adam, que mora em Detroit. Cidade esta, aliás, que foi protagonista da crise financeira de 2008, quando os EUA atingiram recordes no nível de desemprego, berço das montadoras, por sua vez um grande símbolo da explosão industrial no começo do século XX.

Não por acaso, esse é o pano de fundo para um enredo que nos mostra o quão decadentes podemos nos tornar, contrastando a todo momento o passado brilhante de gênios da literatura e da música com o presente medíocre de uma cidade que foi devastada pela crise econômica.

O casal se diz fã de Jack White, nascido em Detroit, um compositor atual e talentoso. Seria Jack humano ou vampiro? Fica no ar. Assim como outras alusões a grandes nomes das artes e da ciência, como Byron e Einstein. O desengano de Adam com a falta de imaginação humana talvez seja apenas uma referência a nossa autodepreciação inata. Uma necessidade de autoafirmação e uma ânsia por fazer algo memorável em vida e, assim, tornar-se imortal por meio de realizações extraordinárias. Para mim, Adam e Eve são um alterego dos humanos e não uma metáfora.

E, voltando ao casal da Genesis, apesar de a todo momento ter uma postura cínica e cética diante do mundo, ele nos revela na força de sua união e na integridade de suas ações perante às adversidades que o amor faz a grande roda girar. No colegial (era assim que chamava nos anos 90, tá?),  meu professor de literatura sempre fazia a mesma pergunta em TODAS as provas, para nos fazer fixar as diferenças entre os gêneros literários: o amor vence no final? Quando o livro em questão era do romantismo, a reposta era SIM. Mesmo que o casal protagonista tivesse morrido ou se separado. Os sentimentos e os ideiais são a grande força. Acho que é o caso aqui. E Jarmusch já nos dá essa pista nos nomes dos personagens e do próprio filme, sem falar nas citações a expoentes do movimento, neam?

Ah, e vale uma recomendação também para a trilha sonora: Clique aqui para ouvir, descolei ela inteirinha por streaming 😉

E, por fim, não me foi solicitado, mas deixo aqui indicações de filmes de vampiro, por ordem de preferência.

Deixa ela entrar (Tomas Alfredson, 2008)

Filme sueco, crianças vampiras, diferente de tudo que você já viu e lindo <3.  Veja o trailer aqui.

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Entrevista com o Vampiro (Neil Jordan, 1994)

Memória afetiva mode on. Anos 90, galãs em início de carreira (alguém lembrou de Crepúsculo?). Tom Cruise, Brad Pitt, Antonio Banderas, Christian Slater e Kirsten Dunst. Veja o trailer aqui.

entrevista com o vampiro

 

Fome de Viver (Tony Scott, 1983)

David Bowie, Susan Sarandon e Catherine Deneuve. Sem Mais. Veja o trailer aqui.

fome de viver