Roupa no ambiente de trabalho e assédio

O mito da “roupa decente”

— “ Antes de ter esse esclarecimento, achava que o problema estava comigo. Quando precisava visitar o cliente, pensava em que roupa usar, porque imaginava que estava dando liberdade a ele” . Eu já ouvi isso e acredito que você também.

As estatísticas demonstram que mulheres nos mais variados ambientes e usando diferentes tipos de vestimenta sofrem assédio, cotidianamente. O que leva um homem a assediar uma mulher é a cultura que incentiva este tipo de aproximação. Uma sociedade patriarcal.

Um terço dos brasileiros acredita que “mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada” (pesquisa do Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2016). Uma exposição em Bruxelas mostrou as roupas que diversas mulheres usavam na hora em que foram vítimas de abuso sexual. Os trajes reúnem calças e blusas comuns, camisetas largas e até pijamas.
Roupa nunca é consentimento para nada. Nem para assédio, cantada e, claro, jamais para um crime bárbaro como é o estupro. A culpa nunca é da vítima.

A mulher tem o direito fundamental de se vestir como quiser e se manifestar. Quando a conversa começa marginalizando o modo de vestir, fere-se qualquer discussão jurídica em torno do direito de igualdade de gêneros e liberdade de expressão.

Como as empresas podem ser mais proativas?
A primeira atitude que cabe às empresas tomar para acabar com o mito de que a roupa decente evita assédio no trabalho é definir regras transparentes para o caso de denúncias de assédio sexual. Desta forma, mais mulheres poderão se posicionar publicamente caso sejam submetidas a este tipo de tratamento.
Sugerir um código de vestimenta claro e sem um viés de gênero é uma forma da empresa propor uma referência comum para todos os funcionários. As normas não precisam ser muito específicas para não se tornarem invasivas, mas podem ser apresentadas em forma de guia, com uma orientação geral sobre o “tom” que a empresa quer passar ajuda a evitar julgamentos inapropriados e manifestações preconceituosas sobre a vestimenta de colegas de trabalho. Falar sobre identidade e igualdade de gêneros, imagem pessoal, liberdade de expressão e diversidade é importante para trazer luz ao tema. Um workshop ou um material sobre o assunto apoia o diálogo.

1 a cada 5 profissionais sofreu assédio sexual no trabalho
Dados de uma pesquisa feita pela Talenses, consultoria de recrutamento executivo, com 3 215 entrevistados e com exclusividade para VOCÊ S/A, revelam que 34% das mulheres já sofreram algum tipo de assédio sexual no ambiente de trabalho

O assedio dificulta a ascensão das mulheres
O assédio ataca a autoestima, fazendo a mulher perder a crença em si mesma. A baixa confiança leva a mulher a deixar uma posição de trabalho que tinha por não suportar práticas de assédio.
Numa pesquisa com 81 grandes empresas, havia apenas cinco mulheres como presidentes. Ou seja, elas cabem na capa de uma revista.

O que é assédio?
O assédio diz respeito a comportamentos de natureza sexual que causem constrangimento e comprometam a liberdade sexual da vítima. Pode ser caracterizado por chantagem, quando há a exigência de favores sexuais em troca de benefícios. Mas também ocorre por intimidação ambiental, quando há uma provocação sexual inoportuna no local de trabalho, constrangendo a vítima.

Ela destaca também que a ausência de consentimento é algo central para caracterizar o assédio. E atenção para um detalhe importantíssimo: o silêncio de uma mulher jamais significará alguma autorização.
O assédio envolve desde mensagens pornográficas pelo WhatsApp a comentários em redes sociais, presentes e elogios que ultrapassem os limites permitidos pela vítima. Além disso, não precisa ocorrer exatamente no local de trabalho. Pode ser numa carona ou num evento externo da firma.

O assédio é subnotificado. Estima-se que 10% dos casos chegam à justiça.

Grande parte das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de assédio sexual, dados do Instituo Patrícia Galvão e Locomotiva de 2019, registram que 97% dizem já terem sido vítimas de assédio em meios de transporte, outras 71% conhecem alguma mulher que já sofreu assédio em público.

Ou seja: seja qual for a sua identidade de gênero, sua profissão ou seu cargo, saiba que um ambiente inclusivo e que garanta os direitos das pessoas é imprescindível para que elas expressem seu estilo e, sobretudo, desenvolvam suas capacidades. Não tenha medo de denunciar, de se posicionar, ou de aprender se for o caso.

Estilo pessoal é importante (e está na moda!)

Nem todo mundo entende o que é o trabalho de uma consultora de estilo pessoal. Desenvolver ou aperfeiçoar o estilo do cliente pode ser feito para: 1. Uma pessoa que queira levar o conhecimento adquirido para sua vida cotidiana; 2. Para um veículo de mídia que irá registrar um momento daquela pessoa 3. Ou ainda para quando o cliente vai a um evento e precisa expressar de maneira direta e poderosa sua presença.

O trabalho é sempre desenvolvido em parceria com o cliente, pois seu estilo é dele, claro, e a consultora o ajuda a trazê-lo à superfície, a expressá-lo de forma eficiente. Para explicar melhor como a imagem e o estilo são importantes para cada um de nós, conto com a expertise de Valeria Doustaly, consultora de imagem e vice-presidente da AICI (Association of Image Consultants International) na França, e de Dione Occhipinti, stylist e professora do Instituto Marangoni. As duas ministram o curso Paris Style Week, do qual eu participei em setembro de 2015 e recomendo muito!

Também tomo como exemplo a recente capa da Caitlyn Jenner na Vanity Fair, que trouxe à tona o trabalho da diretora de estilo da revista, Jessica Diehl. Para quem não sabe, Caitlyn antes era conhecida como Bruce Jenner. Ele foi campeão olímpico em decatlo, pelos EUA, em 1976. Nos anos 90, se casou com Kris Jenner, matriarca do clan Kardashian. Há poucos meses, revelou ao mundo que é transexual, e mostrou sua nova expressão visual na reportagem da Vanity Fair, produzida por Jessica. Um clique que comunicava muita coisa: quem é essa mulher, como ela quer se apresentar ao mundo, qual seu papel na sociedade… um baita trabalho de imagem e estilo.

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Caitlyn na capa cuja imagem rodou o mundo

A diretora da revista, um veículo de formação de imagem no mainstream, já é reconhecida no meio, mas com essa capa ganhou fama mundial. Sobre seu trabalho disse à revista Love: “Fotografar celebridades se torna um desafio de administrar pessoas e deixá-las confortáveis; a moda fica menos importante que o estilo e a imagem – você quase quer ficar longe das tendências por que não quer que as pessoas olhem para as fotos e pensem ‘oh, isso é da coleção de outono/inverno’. Você quer que vejam as fotos e pensem ‘essa é uma linda foto da Kate Winslet”. Cabe dizer aqui que a revista Love fez uma edição trazendo só as pessoas que mais merecem destaque no mundo atualmente, e a diretora da concorrente Vanity Fair está lá….

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Jessica Diehl na Love Magazine

Dione, que trabalha como stylist em produções para revistas, explica a diferença entre fotografar ensaios de moda e famosos: “Nos editoriais de revistas temos um tema para o shooting e focamos nele, existe uma história, um sonho. As celebridades são pessoas reais que têm seu próprio estilo e querem estar dentro dele, ser coerentes com sua imagem”, e completa “a imagem deve representar seu estilo pessoal e sua personalidade. É a primeira impressão e conta muito”.

Valeria tem sua carreira focada em “pessoas físicas”, fora do mundo editorial. Especializada no segmento corporativo, ela já cuidou de muitos executivos e explica que a consultoria de imagem pode ser contratada por qualquer um, seja celebridade ou não. Ela exemplifica dizendo que é adequada a alguém que queira mudar seu visual para se sentir mais feliz, por alguma pessoa que precise aumentar sua autoestima com um novo guarda-roupa, ou que esteja procurando um novo emprego e queira aprender a se apresentar melhor ou, ainda, por uma empresa que deseje que seus colaboradores representem seus valores. “E a lista segue. Por isso existem consultoras de imagem mais focadas na aparência e outras que se especializam nos temas de comportamento e comunicação, eu formo parte do último grupo”, diz. Ou seja, consultoria de estilo trabalha por meio das roupas, expressando a personalidade do cliente no que ele usa. A consultoria de imagem trabalha o comportamento e a comunicação, no modo de agir. E as duas podem ser aliadas, em um trabalho conjugado.

Acostumada a desenvolver a imagem de pessoas públicas, Valeria indica que o estilo vem de dentro: “Karl Lagerfeld dizia que ‘si vous n’avez pas un physique élégant, la robe la plus élégante n’arrangera rien’ em português, ‘se você não tem um jeito elegante, o vestido mais elegante não servirá de nada’. Dito isto, creio que se vestir bem vale muito, mas se você não souber levar as roupas de nada servirá. Adequar o jeito de se vestir para se apresentar corretamente numa determinada ocasião é uma das coisas que uma boa consultora de imagem pode fazer pelo seu cliente”. E isso é feito de forma que o cliente se sinta confortável dentro de sua vestimenta e, sobretudo, de sua pele.

Considerando tudo isso e indo um pouco mais além, ouso dizer que o estilo pessoal “está na moda”. E não afirmo isso do nada. Há algum tempo, temos visto a subjetividade predominar quando se trata daquilo que nos desperta desejo. E o que começou no street style, blogs e mídias sociais se voltou para aquele que faz toda essa indústria rodar. Recentemente, a crítica de moda Vanessa Friedman escreveu em sua coluna do New York Times sobre duas exposições que acabaram de estrear em grandes capitais da moda: Paris e Nova York. Ambas exaltam o estilo pessoal de duas figuras importantes da história e, mais do que isso, para delírio das consultoras de estilo, a importância do cliente. Uma é a exibição “La Robe Retrouvée: Les Robes-Trésors de la Comtesse Greffulhe” (Vestidos – os tesouros da Condessa Greffulhe), no Palais Galliera, em Paris, e a outra a mostra “Jacqueline de Ribes: The Art of Style” (Jacqueline de Ribes: A Arte do Estilo) no Met, em Nova York.

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Jacqueline de Ribes fotografada por Richard Avedon – cortesia do Met

Sobre a exposição em Paris, seu curador falou: “Sempre falamos dos designers, mas raramente dos clientes”, justificando a escolha do tema, e completa: “são os clientes que têm mais a nos ensinar (sobre moda)”. Já o responsável em Nova York disse que sua curadoria é sobre “Não comprar muito, mas sim filtrar através da moda para encontrar o que é certo para você”, referindo-se ao comportamento de Jaqueline de Ribes. Vanessa, a jornalista que os entrevistou, arremata: “Apesar de que esses dois estilos pareçam nos mostrar o retrato de uma outra época, as lições mais amplas e abstratas das exposições – sobre pensar por si mesmo, sobre entender que se cria identidade por meio de roupas e, consequentemente, oportunidades – são absolutamente contemporâneas. Mais atemporais até que os vestidos exibidos”. Falou tudo!

Bom, depois dessa dissertação, algumas dicas 🙂 :

Fiquei mais atenta às colunas de Vanessa Friedman após começar a seguir a Consuelo Blocker no Snap Chat (consueloblocker). Vanessa é brilhante em texto e conteúdo. Vale a pena colar nas duas: Blog da Consuelo e Coluna da Vanessa.

Se você é consultora de estilo, não deixe de se associar à AICI. Hoje, a Associação tem também um certificado. No Brasil, apenas três consultoras são certificadas! Valeria recomenda tentar a prova e eu também – plano pessoal para um futuro próximo.

Confira o Paris Style Week, curso com aulas de consultoria de estilo, visitas a ateliês e lojas exclusivas, em Paris, com as professoras Valeria Doustaly a Dione Occhipint. Eu fiz e adorei. A turma para janeiro de 2016 está com inscrições abertas. Na Página do Facebook da PSW você pode encontrar todos os contatos.

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Da esquerda para a direita: Dione Occhipinti, Renata Tenca (estilista), eu e Valeria Doustaly durante visita da Paris Style Week

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Turma da Paris Style Week reunida

Quem anda pela gringa, confira as exposições, por favor! Informações no site do Met  e da Palais Galliera.